CONTINUAR NAS RUAS PELAS REFORMAS QUE O BRASIL PRECISA
Por Ademário Costa
Desde a derrubada do regime
militar até a eleição de Lula tivemos três grandes ondas de lutas nacionais. A
primeira começou em 1978, originária no seio da classe trabalhadora do ABC, foi
responsável pela queda da ditadura, forjou o PT, reconstruiu a UNE, ergueu a
CUT, o MST e foi seguida por três grandes greves gerais. O saldo dessas lutas
foi a quase eleição de Lula para presidente em 1989, em uma eleição histórica.
A segunda onda de lutas começou
em 1992, com o movimento fora Collor protagonizado pelo movimento estudantil
através da UNE. Além do fortalecimento da entidade dos estudantes, os
manifestos retardaram o neoliberalismo no Brasil, impediu a adesão a ALCA,
fortaleceu a resistência às privatizações, consolidou o PT como a principal
alternativa eleitoral oposicionista e contribuiu para pavimentar o caminho que
levou lula a vitória em 2002.
A eleição de Lula em 2002 marca o
início da terceira onda. Desta vez marcada pelo protagonismo governamental,
pela transferência do espaço das ruas para os palácios, das assembleias gerais
para as conferências temáticas e da concertação entre capital e trabalho. Neste
período de 10 anos conseguimos avanços como nunca antes vistos na sociedade
brasileira e constituímos um caminho para esta quarta onda que começou.
Foi neste mesmo período que boa
parte do PT abandonou completamente a perspectiva da luta popular de massas. Predominando
nas direções uma postura equivocada que secundariza o papel da luta e dos
movimentos, relegando unicamente à chamada governabilidade institucional e a
política de alianças o papel de assegurar a manutenção e os avanços de nossos
governos.
Mas não é só o PT que enfrenta,
enquanto instituição partidária, um afastamento de suas bases sociais. A
direita brasileira depois de passar por sucessivas derrotas eleitorais
tornou-se incapaz de apresentar-se como oposição e abriu mão desta tarefa
entregando à mídia o efetivo protagonismo nestes anos de governo petista.
No campo dos movimentos sociais
encontramos problemas parecidos. Com a vitória do PT, boa parte da direção da
classe trabalhadora foi sugada pela burocracia estatal, parlamentar e
partidária, sem que houvesse a substituição por quadros experientes. Ao mesmo
tempo boa parte das demandas e pautas dos movimentos sociais foi atendida ou
muitas vezes o próprio governo apresentou pautas mais avançadas que as próprias
reivindicações.
Além disso, neste período,
imperou uma profunda divisão da esquerda social, na qual predominou o debate
resumido e superficial de apoiar ou se opor as medidas de governo, ser contra
ou a favor do PT, impedindo a formação de amplas frentes de luta que pudessem
pautar o governo ou exigir mudanças mais avançadas.
Detentora do monopólio da pauta
oposicionista a grande mídia na sua cruzada para desqualificar o PT, deturpou o
debate político, contribuiu para afastar a população da política, dos políticos
e dos partidos ao invés de cumprir sua função social e facilitar o livre debate de ideias, dos
modelos de desenvolvimento das cidades e dos diferentes projetos de país. Não
foi a toa alto grau de abstenção, nulos e brancos registrado nas eleições de
2012 que no plano nacional chegou a 16, 41%, 22, 73 milhões de pessoas, 4
milhões a mais que em 2008.
Além de exigir mais e melhor, a
nova sociedade brasileira que emerge dos 10 anos dos governos do PT é uma
sociedade cujos jovens dos centros urbanos estão altamente conectados com as
novas tecnologias, com a internet e as redes sociais. No Brasil, 94,2 milhões
de pessoas usam a internet (ocupamos a 5ª posição mundial). Destes, 73 milhões
ou 38% da população maioria com idade de 18 a 24 anos, são usuários do
Facebook, o que faz o Brasil ocupar a 2ª posição mundial perdendo
apenas para os EUA. Apenas no mês de maio de 2013 3 milhões de pessoas entraram
no Facebook no Brasil.
Neste universo virtual as
demandas apresentam-se livres e desconectadas de mediações tradicionais, como
as estruturas partidárias, protocolos estatais ou de movimento sociais. Não passam pelos processos de reuniões, assembléias,
aprovação ou rejeição de propostas e demandas coletivas, articulação entre
lideranças e construção de pautas nacionais. Demandas ou questões que jamais
sobreviveriam diante de uma questão de ordem, encaminhamento, inscrições ou
esclarecimentos ganham força e legitimidade em curtidas, compartilhamentos e
comentários.
É neste contexto de
desmobilização dos movimentos sociais, enfraquecimento da vida partidária,
afastamento e criminalização da politica, protagonismo juvenil através das
novas mídias, polarização entre governo e mídia conservadora, avanço da
sociedade e formulação de novas demandas que o modelo de crescimento social
baseada na distribuição de renda e estabilidade econômica esgota-se encerrando
um ciclo de ganhos contínuos para o capital e o trabalho.
Os atuais protestos inauguram a
quarta onda de lutas, que vem sendo preparada e experimentada nas diversas
mobilizações e marchas que foram realizadas no país. Vadias, gente
diferenciada, marchas da maconha, diversas lutas contra o aumento da tarifa,
entre outras, consolidaram no Brasil a operacionalização prática da força da
internet nestes novos métodos e formas de fazer a política.
Começando pela luta contra o aumento
de passagens na cidade de São Paulo, o movimento foi duramente reprimido pelo
governo estadual, que teve o apoio desde o início da grande mídia para efetuar
a repressão. Tal atitude repressora criou uma onda de solidariedade e os
protestos começaram a se intensificar, disseminados pela força social nas novas
mídias. Neste momento, a Globo mudou de posição e viu ali a possibilidade de
apresentar sua própria pauta e disputar o movimento.
Essa adesão arrastou para o
dentro do movimento grupos de extrema direita, direita, paramilitares. A sua
imensa dimensão popular colocou nas ruas opiniões presentes na sociedade,
rearticuladas na rede e que por sinergia entraram nas mobilizações.
Esta novidade de métodos,
intensidade e amplitude deixou os partidos e movimentos tradicionais
desconfiados e afastados até que o nacionalismo, o fascismo, o autoritarismo e
o combate aos partidos, inflado pela imprensa, fez com que o PT decidisse
disputar nas ruas.
A reação de grupos fascistas a
presença do PT nos atos ajudou a expor o perigo de golpe, posições totalitárias
e cassação das liberdades democráticas. Ao mesmo tempo, o clima de revolta
chegou muito além dos limites da possibilidade de controle da imprensa
burguesa. Os ataques sistemáticos aos símbolos do Estado, da propriedade
privada e da mídia ascenderam o sinal vermelho para a burguesia. Parte da
direita decidiu romper o pacto de estabilidade democrático-burguesa
estabelecido com o PT, mas parte do povo também mostrou disposição de fazer o
mesmo. Diante disso, a burguesia recuou mais precisamente em 21 de junho, com
um editorial de O Globo pedindo o fim dos protestos.
Desde sexta-feira que os
movimentos sociais brasileiros e as esquerdas buscam uma reação unificada para
a conjuntura. Nos últimos dias, várias assembléias populares estão sendo
realizadas pelo país. Em vários estados o campo democrático popular já organiza
e dirige as mobilizações. Ao mesmo tempo, na velocidade característica destes
novos tempos, uma parte significativa das massas em luta avança na politização
e compreensão do que está em jogo, constituindo-se em uma nova massa critica,
força de massa para que o país possa avançar nas mudanças.
As vitórias de redução das
tarifas, o discurso da presidenta no dia 20/06/2013, as medidas anunciadas na
segunda 23/06/2013, que incluem a proposta de convocar o plebiscito para a
reforma política e as diversas reuniões com os outros poderes e com os
movimentos sociais deram um giro muito rápido na conjuntura. Neste momento
especifico, a direita encontra-se acuada e desnorteada. A pressão está empurrando os governos à
esquerda, e no caso especifico do governo do PT, a presidenta assumiu a
liderança de conduzir a luta pela principal reforma democrática e popular deste
momento, a luta pela reforma politica.
Este novo quadro e a proposta dos
cinco pactos, apresentados por Dilma abre espaço para combinarmos a luta pelas
reformas democráticas e populares com reformas pontuais que melhorem a vida do
povo, no sentindo de atender as demandas presentes pela melhoria dos serviços
públicos e qualidade de vida nas cidades.
Não podemos novamente incorrer no erro de deixar que o governo sozinho
assuma o protagonismo das lutas que precisam ser impulsionadas pelos partidos
políticos e movimentos sociais.
Diante de uma crise econômica
mundial permanente, devemos nos preparar para uma constante onda internacional
de lutas. Um movimento que levará anos e será amplamente disputado por todas as
matrizes ideológicas presentes na nossa sociedade. Nosso papel é disputar nas
ruas os rumos do movimento.
Os setores da direita tiveram sua
pauta reduzida à luta contra a PEC 37 e oposição às medidas anunciadas por
Dilma. Nós precisamos aproveitar este momento para avançar. Convocar novas
mobilizações como continuidade deste processo de lutas, posicionar as pautas de
esquerda nas ruas e, sobretudo, ter a humildade para reconhecer os erros e
aprender que o recado que vem das ruas também esta direcionado para nós, que
ficamos tempo suficiente fora delas para que as mesmas reivindicassem acordar
sem precisar de nossa companhia.
Ademário Costa é cientista social, membro do Diretório Estadual do PT-BA
Ademário Costa é cientista social, membro do Diretório Estadual do PT-BA
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