terça-feira, 25 de junho de 2013








CONTINUAR NAS RUAS PELAS REFORMAS QUE O BRASIL PRECISA

Por Ademário Costa

Ao contrário do que é apregoado hegemonicamente, o Brasil não é e nunca foi um país de pessoas pacíficas e ordeiras no sentido conservador da palavra. Revoltas, rebeliões e levantes populares sempre fizeram parte da nossa história, sendo uma constante em todos os períodos governamentais sem nenhuma exceção.

Desde a derrubada do regime militar até a eleição de Lula tivemos três grandes ondas de lutas nacionais. A primeira começou em 1978, originária no seio da classe trabalhadora do ABC, foi responsável pela queda da ditadura, forjou o PT, reconstruiu a UNE, ergueu a CUT, o MST e foi seguida por três grandes greves gerais. O saldo dessas lutas foi a quase eleição de Lula para presidente em 1989, em uma eleição histórica.

A segunda onda de lutas começou em 1992, com o movimento fora Collor protagonizado pelo movimento estudantil através da UNE. Além do fortalecimento da entidade dos estudantes, os manifestos retardaram o neoliberalismo no Brasil, impediu a adesão a ALCA, fortaleceu a resistência às privatizações, consolidou o PT como a principal alternativa eleitoral oposicionista e contribuiu para pavimentar o caminho que levou lula a vitória em 2002.

A eleição de Lula em 2002 marca o início da terceira onda. Desta vez marcada pelo protagonismo governamental, pela transferência do espaço das ruas para os palácios, das assembleias gerais para as conferências temáticas e da concertação entre capital e trabalho. Neste período de 10 anos conseguimos avanços como nunca antes vistos na sociedade brasileira e constituímos um caminho para esta quarta onda que começou.

Foi neste mesmo período que boa parte do PT abandonou completamente a perspectiva da luta popular de massas. Predominando nas direções uma postura equivocada que secundariza o papel da luta e dos movimentos, relegando unicamente à chamada governabilidade institucional e a política de alianças o papel de assegurar a manutenção e os avanços de nossos governos.

Mas não é só o PT que enfrenta, enquanto instituição partidária, um afastamento de suas bases sociais. A direita brasileira depois de passar por sucessivas derrotas eleitorais tornou-se incapaz de apresentar-se como oposição e abriu mão desta tarefa entregando à mídia o efetivo protagonismo nestes anos de governo petista.

No campo dos movimentos sociais encontramos problemas parecidos. Com a vitória do PT, boa parte da direção da classe trabalhadora foi sugada pela burocracia estatal, parlamentar e partidária, sem que houvesse a substituição por quadros experientes. Ao mesmo tempo boa parte das demandas e pautas dos movimentos sociais foi atendida ou muitas vezes o próprio governo apresentou pautas mais avançadas que as próprias reivindicações.

Além disso, neste período, imperou uma profunda divisão da esquerda social, na qual predominou o debate resumido e superficial de apoiar ou se opor as medidas de governo, ser contra ou a favor do PT, impedindo a formação de amplas frentes de luta que pudessem pautar o governo ou exigir mudanças mais avançadas.

Detentora do monopólio da pauta oposicionista a grande mídia na sua cruzada para desqualificar o PT, deturpou o debate político, contribuiu para afastar a população da política, dos políticos e dos partidos ao invés de cumprir sua função social  e facilitar o livre debate de ideias, dos modelos de desenvolvimento das cidades e dos diferentes projetos de país. Não foi a toa alto grau de abstenção, nulos e brancos registrado nas eleições de 2012 que no plano nacional chegou a 16, 41%, 22, 73 milhões de pessoas, 4 milhões a mais que em 2008.

Além de exigir mais e melhor, a nova sociedade brasileira que emerge dos 10 anos dos governos do PT é uma sociedade cujos jovens dos centros urbanos estão altamente conectados com as novas tecnologias, com a internet e as redes sociais. No Brasil, 94,2 milhões de pessoas usam a internet (ocupamos a 5ª posição mundial). Destes, 73 milhões ou 38% da população maioria com idade de 18 a 24 anos, são usuários do Facebook, o que faz o Brasil ocupar a 2ª posição mundial perdendo apenas para os EUA. Apenas no mês de maio de 2013 3 milhões de pessoas entraram no Facebook no Brasil.

Neste universo virtual as demandas apresentam-se livres e desconectadas de mediações tradicionais, como as estruturas partidárias, protocolos estatais ou de movimento sociais. Não  passam pelos processos de reuniões, assembléias, aprovação ou rejeição de propostas e demandas coletivas, articulação entre lideranças e construção de pautas nacionais. Demandas ou questões que jamais sobreviveriam diante de uma questão de ordem, encaminhamento, inscrições ou esclarecimentos ganham força e legitimidade em curtidas, compartilhamentos e comentários.

É neste contexto de desmobilização dos movimentos sociais, enfraquecimento da vida partidária, afastamento e criminalização da politica, protagonismo juvenil através das novas mídias, polarização entre governo e mídia conservadora, avanço da sociedade e formulação de novas demandas que o modelo de crescimento social baseada na distribuição de renda e estabilidade econômica esgota-se encerrando um ciclo de ganhos contínuos para o capital e o trabalho.

Os atuais protestos inauguram a quarta onda de lutas, que vem sendo preparada e experimentada nas diversas mobilizações e marchas que foram realizadas no país. Vadias, gente diferenciada, marchas da maconha, diversas lutas contra o aumento da tarifa, entre outras, consolidaram no Brasil a operacionalização prática da força da internet nestes novos métodos e formas de fazer a política.

Começando pela luta contra o aumento de passagens na cidade de São Paulo, o movimento foi duramente reprimido pelo governo estadual, que teve o apoio desde o início da grande mídia para efetuar a repressão. Tal atitude repressora criou uma onda de solidariedade e os protestos começaram a se intensificar, disseminados pela força social nas novas mídias. Neste momento, a Globo mudou de posição e viu ali a possibilidade de apresentar sua própria pauta e disputar o movimento.

Essa adesão arrastou para o dentro do movimento grupos de extrema direita, direita, paramilitares. A sua imensa dimensão popular colocou nas ruas opiniões presentes na sociedade, rearticuladas na rede e que por sinergia entraram nas mobilizações.

Esta novidade de métodos, intensidade e amplitude deixou os partidos e movimentos tradicionais desconfiados e afastados até que o nacionalismo, o fascismo, o autoritarismo e o combate aos partidos, inflado pela imprensa, fez com que o PT decidisse disputar nas ruas.

A reação de grupos fascistas a presença do PT nos atos ajudou a expor o perigo de golpe, posições totalitárias e cassação das liberdades democráticas. Ao mesmo tempo, o clima de revolta chegou muito além dos limites da possibilidade de controle da imprensa burguesa. Os ataques sistemáticos aos símbolos do Estado, da propriedade privada e da mídia ascenderam o sinal vermelho para a burguesia. Parte da direita decidiu romper o pacto de estabilidade democrático-burguesa estabelecido com o PT, mas parte do povo também mostrou disposição de fazer o mesmo. Diante disso, a burguesia recuou mais precisamente em 21 de junho, com um editorial de O Globo pedindo o fim dos protestos.

Desde sexta-feira que os movimentos sociais brasileiros e as esquerdas buscam uma reação unificada para a conjuntura. Nos últimos dias, várias assembléias populares estão sendo realizadas pelo país. Em vários estados o campo democrático popular já organiza e dirige as mobilizações. Ao mesmo tempo, na velocidade característica destes novos tempos, uma parte significativa das massas em luta avança na politização e compreensão do que está em jogo, constituindo-se em uma nova massa critica, força de massa para que o país possa avançar nas mudanças.

As vitórias de redução das tarifas, o discurso da presidenta no dia 20/06/2013, as medidas anunciadas na segunda 23/06/2013, que incluem a proposta de convocar o plebiscito para a reforma política e as diversas reuniões com os outros poderes e com os movimentos sociais deram um giro muito rápido na conjuntura. Neste momento especifico, a direita encontra-se acuada e desnorteada.  A pressão está empurrando os governos à esquerda, e no caso especifico do governo do PT, a presidenta assumiu a liderança de conduzir a luta pela principal reforma democrática e popular deste momento, a luta pela reforma politica.

Este novo quadro e a proposta dos cinco pactos, apresentados por Dilma abre espaço para combinarmos a luta pelas reformas democráticas e populares com reformas pontuais que melhorem a vida do povo, no sentindo de atender as demandas presentes pela melhoria dos serviços públicos e qualidade de vida nas cidades.  Não podemos novamente incorrer no erro de deixar que o governo sozinho assuma o protagonismo das lutas que precisam ser impulsionadas pelos partidos políticos e movimentos sociais.  

Diante de uma crise econômica mundial permanente, devemos nos preparar para uma constante onda internacional de lutas. Um movimento que levará anos e será amplamente disputado por todas as matrizes ideológicas presentes na nossa sociedade. Nosso papel é disputar nas ruas os rumos do movimento.


Os setores da direita tiveram sua pauta reduzida à luta contra a PEC 37 e oposição às medidas anunciadas por Dilma. Nós precisamos aproveitar este momento para avançar. Convocar novas mobilizações como continuidade deste processo de lutas, posicionar as pautas de esquerda nas ruas e, sobretudo, ter a humildade para reconhecer os erros e aprender que o recado que vem das ruas também esta direcionado para nós, que ficamos tempo suficiente fora delas para que as mesmas reivindicassem acordar sem precisar de nossa companhia.

Ademário Costa é cientista social, membro do Diretório Estadual do PT-BA

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